sábado, 19 de novembro de 2011

C. C. 3 - Gonna Get Over U


Coração Caleidoscópio 3
Gonna Get Over U

Uma semana se passou, eles não se viram em nenhum dia desses sete. As coisas estavam muito corridas na faculdade e no emprego para eles. Porém, para não morrerem de saudade, trocavam telefonemas – era a única maneira de colocar os assuntos em dia sem atrapalhar os estudos ou qualquer outra coisa.
Quando chegou o sábado, ele ligou atrás dela, no apartamento. Ninguém atendeu. Ele foi até o próprio, ninguém foi abrir a porta. Foi procurar Seu João, perguntou se ele sabia onde Ís estava. Resposta negativa. Subiu até seu apartamento, cansado e desapontado. Abriu a porta e foi até a cozinha, pegar um copo de água.
– “Querido Monsieur Bovary, viajei para minha cidade para passar o fim de semana com meus pais. Domingo á tarde estarei de volta. Beijos, de sua, só sua, Madame Bovary”. Mark leu com voz afeminada. Estava com um bilhete na mão.
– O que é isso? Spencer foi caminhando até ele.
– É da sua, só sua, Madame Bovary. É a Ís né?
– Me dê isso, velho. Ele tentou pegar o papel, mas Mark colocou a mão para trás.
– Me diga se é da Ís ou não, aí te entrego.
– É da Ís sim. Agora me devolva! Ele devolveu. – Onde estão os outros dois cavalos?
– Saíram cedo, acho que foram para faculdade. Tinha aula hoje para eles. Mas me diz aí, garotão, está pegando a Ís? Mark deu dois tapinhas no ombro de Spencer. Mark era moreno, usava um moicano; era a sensação entre as garotas e amigo de infância de Spencer.
– Não, não estou pegando ela – ele fez expressão de nojo quando disse “pegando”. – Estamos... Apaixonados! É, isso mesmo. Estamos apaixonados.
– Algo me diz que vocês vão durar. Você sabe que sou sincero e que não falo coisas para te agradar, mas até que vocês dois combinam. E olha, não sei o que ela viu num magrelo ossudo igual você! Eu, o Carlos e o Felipe já tentamos inúmeras vezes pegar ela, e ô garota difícil!
– Talvez porque eu não me interesso apenas naquilo né, gatão da madrugada? Spencer devolveu os dois tapas e foi em direção ao DVD. Pegou o CD que Louise havia lhe dado e encaminhou-se até seu quarto, para passar as musicas no computador e colocá-las em seu MP4.
Passou o dia inteiro deitado em sua cama, que era ao lado da janela que tinha a vista de toda a cidade, ouvindo as músicas de Sara Bareilles. Ooh, how'm I gonna get over you?/ I'll be alright, just not tonight/ Someday,/ oh I wish you'd want me to stay/ I'll be alright, just not tonight,/ Someday” [Oh, como vou te esquecer?/ Eu ficarei bem, só não esta noite/ Algum dia,/ oh eu queria que você quisesse que eu ficasse/ Eu ficarei bem, só não esta noite,/ Algum dia], era o que ela cantava. O coração dele estava tão apertado de saudades; não sabia o que fazer para curar aquela aflição que sentia. Queria que o próximo minuto já fosse domingo á tarde. De tanto suspirar, pegou no sono. Dormiu como uma criança que acabou de chegar da rua, cansada de tanto brincar, se divertir; porém ele não estava cansado de se divertir; estava cansado de esperar.
Acordou com uns estrondos estranhos. Virou-se, lentamente, pois estava com medo do que iria ver, e acabou se assustando (realmente). Virou outra vez, para onde estava antes – de cara com a parede e com pequena parte da janela, que agora mostrava toda a cidade iluminada por suas luzes. Spencer amava essa visão; mas não a que ele tinha visto anteriormente. Era Mark com uma garota, em pleno “ato”. Na cama ao lado. E com as roupas todas na cama de Spencer. Nesse momento, ele ficou com nojo de ter nascido. “Ah Jesus Cristo! Eu não mereço isso. Agora, o que vou fazer? Fingir que estou dormindo e ter que ficar com trauma desses gemidos asquerosos, ou pego todos os sapatos da humanidade terrestre e jogo na cabeça deles, expulsando-os do meu quarto?” Ele pensou, ou melhor, pediu. Ou os dois. Pegou seu travesseiro e colocou na cabeça. Tentou ligar o MP4, mas a bateria havia acabado. Conformou-se que iria passar mais duas horas ali, sendo um participante oculto da orgia alheia.
Depois das duas horas mais trágicas e tenebrosas da vida dele, ele se sentou na cama, de fronte a janela. Ficou vendo os prédios, as casas, o centro. Reconheceu a danceteria aonde sempre ia. Reconheceu a faculdade. Reconheceu o centro da cidade, também. Passou horas e horas olhando aquela paisagem, tão bonita. Já estava amanhecendo, então, nas suas contas, os meninos tinham chegado ás quatro da balada. Ficou inconformado por ter que ver seu amigo e uma desconhecida atuando. Era realmente uma visão do inferno.
Levantou-se e foi até a cozinha. Os três garotos estavam jogados – Mark no chão, Felipe no sofá e Carlos na poltrona. Decidiu não mexer com nenhum deles. Abriu a despensa e pegou uma garrafa de Jack Daniels. Olhou-a, e a colocou de volta onde estava. Foi até a sacada, fechou a porta e sentou-se em uma das cadeiras.
Começou a lembrar de tudo que já tinha vivido em sua vida. Lembrou principalmente nos tempos de ensino fundamental e do ensino médio. Era considerado o cara mais engraçado da sala, mas como em todos os lugares, o “bobo da corte” não serve para se amar. Sempre sofreu por amar as garotas e elas falarem “Só te vejo como amigo, meu anjo!”. Com o tempo se acostumou com isso; começou a sair com Felipe, Carlos e Mark na juventude e sua vida amorosa melhorou, só um pouco. Nada de relacionamentos sérios, apenas descartáveis. E isso acontecia não porque ele queria, mas porque as garotas o viam como um atalho para os outros três maiorais. Spencer acabou se conformando e cada vez mais ficando desanimado para sua procura ao amor. Mal sabia que o amor não se procura, o amor acontece. Um dia você acorda com alguém batendo na porta do seu coração, e sem licença, esse alguém entra. E o amor monta sua vida ali, num coração desavisado.
Um pouco antes do almoço, decidiu procurar alguma loja de animais. De preferência as que estivessem abertas e que vendessem peixes. Logo que saiu do prédio, encontrou uma. Olhou os animais, procurou os peixes, e por sua sorte conseguiu comprar um. Voltou ao prédio e cuidou dele com imenso carinho. Seu nome era Swim.
Desceu até a lanchonete de Seu João, para comer algo como almoço.
– Boa tarde, meu garoto. O que é esse pote que você está trazendo nesse carrinho de rolimã? Reparou Seu João.
– Ah sim, boa tarde Seu João. É o Swin! Diga olá para o Seu João, Swin! Isso, bom garoto! Spencer agachou até o pote e passou a mão nas laterais do mesmo, como se estivesse fazendo carinho no peixe.
– Oh Senhor, cada loucura que esse garoto inventa! Quantas horas esse peixe vai viver? Duas?
– Não, não quero que a vida dele termine de forma trágica igual ao do outro peixe. Se ele viver até a tarde, está ótimo. Vou sentir como se tivesse cumprido uma missão! Mas mudando de assunto, o senhor me vê o de sempre, por favor? Mas agora quero o dobro, porque a vida de uma mãe não é fácil! Fez bico. Seu João riu, pegou dois pedaços de pizza e duas garrafas de água com gás.
– Está aí, nova mamãe do pedaço. Agora vá almoçar, antes que fique tarde demais. Já são quase duas horas da tarde sabia? Spencer balançou a cabeça, analisou o território e se sentou em uma mesa que tinha maionese. Aproveitou que tinha algumas mesas vazias e pegou outros recipientes com a maionese, tão amada por ele.
Estava terminando de comer o segundo pedaço quando, subitamente, sua visão foi tampada por uma mão. Uma voz grossa disse para que ele adivinhasse quem era. Ele respondeu que não fazia idéia. Então sentiu uma respiração em seu ouvido, e uma voz muito conhecida e apreciada por ele sussurrou em seu ouvido, sensualmente:
– Tem certeza que não tem idéia de quem é?
– Madame? Seu coração batia tão forte que parecia que em algum instante iria sair voando. A garota tirou sua mão dos olhos dele, e sentou-se na cadeira ao lado.
– Que sorte a minha te encontrar aqui! Não queria ir até seu apartamento, e talvez dar de cara com um de seus companheiros. Disse a última frase com expressão de quem não dava importância para os “companheiros” de Spencer.
– Acho que estão dormindo até agora. Eu iria te oferecer esse último pedaço da minha pizza, mas como me tornei uma mãe de família, não posso perder o alimento. Não posso morrer de fome e deixar meu filho sozinho por aí!
– Como assim? Louise entrou em desespero, interiormente.
– Diga olá para a Ís, Swin! Isso meu garoto, isso mesmo! Louise, esse é Swin, meu filho. Swin, essa é Louise, meu romance.
– Spencer Bovary, você queria me matar de susto? Porque quase conseguiu! Ela respirou fundo vezes seguidas.
– Não vai responder pro Swin? Ele vai criar antipatia com você, depois não reclame!
– Ah, céus! Oi meu amor! Seja bem vindo a nossa família! Ela passou as mãos nas laterais do pote.
– Agora sim! Ele está muito feliz. Mas não, eu não queria te matar de susto. E pode ter certeza que vai ser difícil, aliás, impossível você morrer com esse tipo de susto. Hoje nasceu um trauma na minha cabeça, um trauma daquilo.
– Por quê? Ela riu.
– Você ri, não é? Queria ver se fosse você. Resumindo, porque não gosto de lembrar desse momento repugnante da minha vida, eu estava no quarto, debaixo do lençol, e Mark levou uma garota para lá. E os dois estavam tão bêbados que não repararam a minha sublime presença. E você sabe o que fizeram, não é? Pois bem, eu tive que presenciar, em silêncio, toda aquela nojeira.
– Nossa, mas por que tanta repugnância com isso? Ís não conseguia segurar o riso.
– Porque eu acho sujo o sexo que eles fazem. É uma gritaria, palmadas, uma balhureira que realmente não sei como os vizinhos nunca foram reclamar. Por fim, os dois riram juntos.
– Bom, tenho que subir para levar as malas. Quer me ajudar?
– Claro! Vou deixar o Seu João de babá para o meu bebê enquanto isso. Ele foi até o balcão, pagou Seu João e fez o pedido. Seu João riu e aceitou a proposta descabida. Então foram os dois em direção ao estacionamento.
– Na verdade, minhas malas já estão no apartamento. Só te chamei para que a gente ficasse um pouco aqui no carro. Quero passar o resto da tarde e toda a noite ao seu lado. Ela disse, quando chegaram em seu Impala 1959 conversível e vermelho, e se aproximou dele; colocando seus braços envoltos aos seus ombros. Ele deu um sorriso puro e assentiu com a cabeça.
Sentaram no banco de traz. Ela deitou sobre ele, com a cabeça em seu peito. Não trocaram muitas palavras. Sentir a presença iluminada um do outro era o bastante para que tudo de ruim que existisse no mundo parecesse só uma pequena pedra no caminho. Era a única coisa que realmente desejavam, durante toda a semana; ficar juntos sem nenhum empecilho, sem a preocupação da duração de tempo ou se o amanhã já iria chegar. Apesar de que, quando estavam juntos, esqueciam da existência do amanhã – aliás, de qualquer coisa no mundo; porque o que importa era estar do lado de quem se ama, de quem se quer.

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