sábado, 19 de novembro de 2011

C. C. 10 - Machine Gun


Coração Caleidoscópio 10
Machine Gun

Ela estava esperando-o na estação. Já eram cinco horas da tarde, ela se atrasou um pouco, mas sabia que o trem não seria pontual. Sentou-se em um banco, colocou do seu lado sua bolsa e suas esperanças. Já fazia um mês – um longo mês que parecia ter 330 dias – que não se viam. Ele viajou para Londres, foi fazer intercâmbio durante as férias de julho. Ela não pode ir por causa do trabalho, e também porque preferia que eles se afastassem um pouco para ver se o relacionamento dos dois melhorava.
Depois da grande noite de suas vidas, as coisas ficaram boas por algumas semanas. Depois, as barragens não seguraram a enchente de sentimentos e confusões que estavam vivendo e que o namoro deles passava.
De súbito, seu celular tocou. Abriu o bolso externo de sua bolsa e era uma mensagem de texto.
“Estou chegando. Qualquer coisa, estou com uma blusa de frio cinza escuro com listras grossas pretas. Beijo. ♥”
Ela sentiu falta de um “Eu te amo” no fim. Durante todo esse mês chorou lágrimas de pura dor, com medo de que ele encontrasse alguém do outro lado do oceano, um alguém melhor que ela. Ah! Como doía a indiferença e a insegurança! Eles conversavam quase o dia inteiro, mas mesmo assim... A distância era imensa. E durante esses longos 30 dias ela sentiu que não tinha como negar, ela o amava e o queria por toda vida. Sim, por toda vida. Só tinha medo de que só ela tivesse chegado nessa conclusão, medo que ele viu que ela não trazia bem, não somava, só subtraia.
Escutou o barulho do trem. O coração derreteu. Começou a chorar ininterruptamente. Quando ele parou, limpou os olhos e pegou seu pequeno espelho. Estava linda! Mas ainda não tinha se convencido disso.
Usava uma saia de cintura alta azul marinho, uma blusa branca, uma blusa de frio preta um pouco comprida e solta, meia-calça preta e bota sem salto rosa bebê com dois pompons do lado externo. O cabelo preso em um rabo de cavalo desajeitado, que deixava alguns cabelos caindo, a maquiagem de sempre e um gloss rosa. Com tanta sorte, as lágrimas não borraram seu rosto.
Levantou, ficou de pé com a bolsa nos braços. Viu pessoas descendo do trem, contava os pés de todas elas, esperando por Spencer. Viu um tênis preto, reconheceu a blusa listrada. Ele estava mais lindo que nunca, sempre, todo dia, toda vida, todo amor.
Estava mais forte, tinha trocado de penteado: ao invés do cabelo bagunçado, um moicano. Perfeito. Ela abriu um sorriso, um sorriso que mandou as lágrimas voltarem para suas casas, porque agora era a hora de mostrar que ela não chorava. Ou apenas fingir.
Ele desceu, olhou para os lados um pouco desesperado, encontrou-a. Fez uma expressão de alívio, balançou a cabeça e manteve aquele sorriso de lado tão perfeito.
— Girl, you don't know how much I missed you! [Garota, você não sabe o quanto senti saudades!] Abriu os braços, ela mal tinha força para levantar os seus.
Deitou a cabeça no peito forte dele.
Ele fez o mesmo gesto que fazia quando ela dizia “eu te amo”: passou as mãos pela nuca dela e deu um beijo em sua testa. Nenhum “eu te amo”, nenhum nada. Ela reparou que ele não estava com a aliança na mão, então perguntou:
—Você… tirou a aliança? Ela sentiu o nariz arder, e já tratou de mandar o choro para longe. Olhou para cima, nos olhos dele.
— Não. Era para tirar? Ele curvou delicadamente os lábios para a direita.
— É que não senti a aliança quando passou a mão na minha nuca...
— Talvez porque essa é a mão esquerda, né? Ele riu e deu outro beijo na testa dela.
Ela riu e o abraçou mais forte. Ele retribuiu, o que a surpreendeu.
— É melhor a gente correr porque daqui a pouco escurece! Sussurrou.
— Tudo bem. Respondeu, deu um beijo na bochecha dele.
Então, ele pegou a mala em uma mão. Ela olhou para ele, ele estendeu a mão. Os dois seguiram de mãos dadas pelas ruas; em alguns momentos ele a puxava e dava beijos em sua testa, em outros ela procurava os olhos dele – que sempre estavam direcionados para frente – e quando encontrava abria um sorriso infantil.
Passaram em frente à floricultura que ficava perto do prédio onde moravam.
— Preciso acertar uma coisa com o Seu Joaquim, espere aí. Ela assentiu com a cabeça, e ficou esperando do lado de fora da loja.
Passaram cinco minutos, Ís escutou o sininho da porta tocar, olhou para o lado e ele estava com um buque de flores do campo todo colorido com um laço de veludo vermelho com um cartão escrito “Eu senti sua falta. Eu ainda te amo.” Ela balançou a cabeça negativamente, e as lágrimas voltaram sem piedade e com toda força que ela não conseguiu disfarçá-las. Ele também não conseguiu disfarçar e chorou junto dela. Ele estendeu o buque e ela pegou, se abraçaram tão forte que por pouco não entraram um dentro do outro.
— Não preciso dizer mais nada, né?
— Eu te amo, eu te amo, eu te amo, eu te amo! Você é tudo para mim!
Ele tirou a cabeça dela de seu ombro, olhou em seus olhos:
    Você me ama mesmo?
    Sim!
    Você sentiu minha falta mesmo?
    Sim, muito!
— Eu também. Percebi que nada que acontece pode mudar o que eu sinto por você, nem a distância, nem o tempo. Você sabe que eu te amo.
Ela encostou os lábios nos dele. Ficaram apenas assim, só com os lábios encostados, intercalados entre lábio superior e inferior, superior e inferior, Louise e Spencer, amor e tudo.
Soltaram-se, deram as mãos de novo e seguiram em frente. Ela percebeu que ele a olhava como se fosse engraçado, perguntou.
    O que foi? Com expressão afetada.
    Você está bonita.
    E precisa olhar para mim com essa cara? Ela levantou a sobrancelha esquerda e fez bico de desdém.
    Desculpa! Chegou mais perto e sussurrou no ouvido dela: Madame Bovary!
    Que saudade de ouvir isso! Seus olhos brilharam, o sorriso também.
Seguiram em frente. Ela não ligava para mais nada, porque ela só queria que ele a achasse bonita. E ele achou.
Chegaram ao prédio.
— Vamos subir rápido antes que alguém me veja, não estou para recepções!
    Desculpa aí! Deu um sorriso sarcástico.
    A não ser você!
Ela levantou a sobrancelha como resposta, eles entraram no prédio. Entraram no elevador, ele perguntou:
    No meu apartamento ou no seu?
    No seu!
Ele apertou o botão do terceiro andar. Continuavam de mãos dadas. A porta se abriu. Seguiram até o apartamento 37. Ele pegou a chave dentro da bolsa e abriu a porta de seu apartamento. Entraram. Ele colocou a mala perto do sofá da sala, encurralou Louise na parede mais próxima e sussurrou no pé de seu ouvido:
    Vamos matar as saudades?
Ela mordeu o lábio inferior e balançou a cabeça.
— Claro! Sussurrou em resposta.

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