sábado, 19 de novembro de 2011

Coração Caleidoscópio


Coração Caleidoscópio

Já era noite, ela estava na lanchonete do prédio. Era sábado, ela não iria sair com as amigas; estava muito cansada. A semana foi cheia de provas na faculdade e em seu trabalho houve muita preocupação. Estava sentada em uma daquelas mesas com cadeiras amarelas de marca de cerveja, comendo um salgado e bebendo refrigerante. No rádio escutava-se a suave voz de Sara Bareilles.
Ele estava no elevador, a caminho da lanchonete. Os amigos haviam saído, ele não estava com animação para bebida, musica alta e os foras das garotas. Apesar de todo seu bom senso de humor e sua ingenuidade, ele estava cansado de ficar sozinho no fim das noites – sozinho, levemente bêbado e triste.
– Boa noite, Seu João.
– Boa noite, meu filho. Vai querer o mesmo de sempre?
– Pode ser.
– Ora, o que aconteceu com o guri mais animado que conheço? Onde está sua animação, meu filho?
– Só estou cansado Seu João... Depois volto ao normal.
Seu João era o dono da pequena lanchonete que havia naquele prédio. Era muito amigo de Spencer, aliás, muito amigo de todos os jovens que ali habitavam. O prédio era como uma república, grande parte dos apartamentos eram para jovens universitários. Esses universitários viam Seu João como um companheiro para todas as confissões (quando estavam sóbrios ou não) e Seu João via nesses jovens pequenos aprendizes da vida, que tropeçavam várias vezes, mas por fim conseguiam encontrar o caminho certo.
– Está aqui meu filho – ele entregou em uma pequena bandeja um pedaço de pizza e uma garrafa de água com gás. Deu duas leves palmadas no ombro de Spencer e disse, com sua voz paternal de quem esta dando o melhor conselho que pode – Olha garoto, acho que precisa de uma moça hein? O que você acha?
– Precisar eu até posso, mas encontrar...
– Não diga isso! Ás vezes a pessoa certa está mais próxima do que você imagina! É só esperar, que vai aparecer.
– Esperar, esperar, esperar... Isso é o que eu mais faço na minha vida, Seu João.
Seu João riu, e disse, com seu tom acolhedor:
– Vá se sentar e coma, meu filho; já são onze horas da noite.
Ele se arrastou até a mesa ao lado de onde uma garota estava sentada. Ele nem sequer olhou, não queria saber se era bonita ou não, pouco importava; sempre levava um “Não!” sem mesmo abrir a boca.
Ela estava concentrada em mastigar seu salgado. Tinha vontade de chorar, mas só não sabia o motivo. A vida dela estava igual ao que planejou quando era adolescente, mas não tinha o principal: amor. Estava a caminho da profissão de seus sonhos, estava trabalhando no ramo de sua profissão, tinha dinheiro para sair, comprar suas roupas e ia aos fins de semanas á sua cidade reencontrar os pais, tinha a liberdade de viver pelas baladas, mas não tinha um alguém para períodos como esse; para deitar-se no ombro e passar o tempo ali, só vivendo o momento, nada mais. Uma lágrima rolou de seu olho. Viu a sombra de um moço sentando-se à mesa ao lado. Olhou para cima, e ficou admirada. Era um moço alto, magro, de cabelos lisos e castanhos. Tinha o nariz pontudo e uma expressão triste. Os olhos eram castanhos escuros, era o que ela suspeitava. Ficou olhando, de rabo de olho. Ele se jogou na cadeira, parecia estar muito desanimado. Colocou a mão, sem olhar, no lugar onde a maionese sempre ficava. Quando foi levar a maionese até sua pizza, percebeu que não tinha nada em suas mãos. Ela riu, e tapou a boca, quando percebeu que ele havia notado-a.
Ele passou a mão no cabelo, com expressão de desajeitado, e levantou-se, indo à direção dela.
– Er... Oi... – ele disse, envergonhado. Você pode me emprestar um pouco da sua maionese, a minha acabou, não sei se percebeu.
Ela riu, e ficou avermelhada. Pegou a maionese e entregou na mão dele. Quando ele foi pega-la, as mãos de ambos se tocaram. Ficaram mais encabulados. Ela tremia e soava. Ele estava pior que ela, pois tinha medo da rejeição.
– N-Não quer se sentar aqui? Ela empurrou uma cadeira com o pé.
– Bom, se você me deixar usar toda sua maionese... Ele falou e fez aquela cara de atrapalhado que havia feito quando pegou a maionese-invisível.
Ela riu, e afirmou com a cabeça. Ele pegou a garrafa de água com gás, e sentou-se na mesa.
Ficaram ali, acanhados, tentando concentrar-se em comer, mas não conseguiam. Às vezes os olhares se perdiam, e encontravam-se, um com o outro. Assim, viravam o rosto e fingiam que nada aconteceu.
– Hm... Você gosta de Bareilles? Ela perguntou, gaguejando.
– O que é isso? Ele se assustou.
– Sara Bareilles... Cantora... Que está tocando as músicas agora no rádio do Seu João.
– Ah sim! Não. Mas ela tem uma voz bonita. Você gosta?
– Fui eu que gravei o CD e pedi para que Seu João deixasse tocar enquanto estivesse aqui... Ela olhou para baixo e riu.
Ele olhou para ela e os cantos de sua boca se curvaram para cima. Ficou analisando ela e sua expressão passou a ser de bobo.
– Você está fazendo o que?
Ele chacoalhou a cabeça, e perguntou o que ela havia dito. Ela deu um sorriso e repetiu a pergunta.
– Estou comendo a pizza. Ele deu um sorriso de satisfação.
– Não, seu bobo! O que você está fazendo na faculdade, que curso está fazendo. Entende?
– Ah sim... Er... – ele olhou para cima, colocou a mão no queixo e depois bagunçou o cabelo. – Esqueci... – e olhou com cara de confuso. Quando olhou nos olhos dela, viu que ela estava com o olhar fixado nele. Ele olhou para baixo, acanhado. Não sabia o que fazer.
– Oh, me desculpe! Ela disse, quando percebeu que ele estava sem-graça.
– Não, imagine...
Ficaram em silêncio. Ela olhou para o relógio no alto da parede e já era meia-noite.
– Nossa, está tarde! Não estou com sono; estou adorando sua companhia; mas tenho que entrar. Olhou para ele com um pesar nos olhos e um bico de tristeza nos lábios.
– Não entre, continue sendo a minha companhia dessa noite! Ele disse e pegou na mão dela, com um sorriso de criança nos lábios. Ela olhou para baixo, envergonhada, com o coração a mil e a vontade de pular nos braços dele. Quando percebeu o que tinha feito, ele arregalou os olhos e se perguntou, intimamente, como havia conseguido fazer aquilo.
– Não posso, meu anjo. Espere só um pouco, vou pagar o Seu João. Ela se levantou, pegou o prato e a garrafa de vidro e foi até o balcão. Ele automaticamente se levantou, pegou sua bandeja e a garrafa de água e ficou ali, olhando ela e toda sua alma iluminada.
– Vou subir, Seu João. Está aqui o seu dinheiro. Beijo, boa noite! Ela deixou o prato, a garrafa e o dinheiro ali em cima. Seu João agradeceu e retribuiu o “Boa noite!”. Ela foi em direção ao garoto.
– Esqueci de perguntar seu nome... – ela se aproximou dele. Ficaram frente á frente. Ele era bem mais alto que ela; a cabeça dela ficava na altura de seu peito. Ela procurou olhar no fundo dos olhos dele; quando os olhares se encontraram, acabaram se misturando e tornando esse momento extasiante.
– Meu nome é Spencer. Spencer Bovary. Mas o pessoal, quer dizer, meus amigos, me chamam de Bovary. E o seu?
– O meu é Marie-Louise – ela riu. Brincadeira. Meu nome é Louise mesmo. Gostei do seu nome, muito bonito e exótico. Queria um nome assim – fez um bico.
– Então vou te chamar de Mariouise, pode ser? Ele levantou a sobrancelha esquerda.
– Prefiro de Ís mesmo – riu. Agora vou subir. Boa noite, Spencer! Ela ficou na ponta dos pés e deu um beijo demorado na bochecha direita dele.
– Boa noite, ele sussurrou. Estava estonteado com o cheiro, com a textura dos lábios dela, com a sutileza que ela tinha. Ficou ali, parado, viajando com as lembranças dela. Ela foi caminhando vagarosamente até o interior do prédio.
– Ei guri, venha aqui logo que vou fechar o quiosque! Seu João falou em tom alto.
Spencer chacoalhou a cabeça e foi até Seu João. Colocou o dinheiro e a bandeja em cima do balcão e ficou olhando Louise ir.
– Ela esqueceu o CD comigo... O que está esperando pra ir levá-lo para a sua dona? Seu João sussurrou, empurrando o CD até Spencer.
Ele não pensou duas vezes. Pegou o CD e correu até o elevador. Correu o mais rápido que podia, pois a garota não estava mais em sua vista.
Quando chegou até o elevador, se tivesse perdido o impulso, iria dar de cara com a porta. Ele entrou correndo, e por um triz não ficou para fora. Assim que entrou, trombou com ela.
– Desculpe, mas vim te devolver isso – estava com a respiração ofegante, levantou o CD e mostrou-o.
– Nossa, meu CD! Você me fez esquecer completamente dele – ela o pegou e riu. Obrigada, muito obrigada!
Ele estava frente a frente com ela. Com uma mão como apoio, encostada no espelho do elevador, e a outra mão encostada na parede, há poucos centímetros da cintura de Louise.
– Lembrei o que faço. Ele sussurrou, olhando nos olhos dela. – Faço artes plásticas. E você?
Ela não conseguia prestar atenção em nada do que ele falava. A voz dele soava como música, os lábios dele dançavam, como se estivessem pedindo o toque dos seus.
– Eu faço o que você quiser. Ela respondeu, seguido de um suspiro.
O canto esquerdo do lábio dele se curvou, mais uma vez. Ele não sabia o que responder, não sabia o que fazer. Sentia-se envolvido pela mágica que aquela garota tinha; só conseguia olhar para ela e agradecer á Deus por ter a oportunidade de vê-la. Ele aproximou mais seu rosto ao dela; fechou os olhos e respirou fundo. Quando os lábios começaram a se roçar, a porta do elevador se abriu. Ele olhou para trás, e ela deu um suspiro de tristeza. Louise fez gesto com os braços para que eles saíssem juntos. Ele assentiu com a cabeça e os dois seguiram até a porta do apartamento dela.
– Bom... Está entregue, Madame Bovary! Ele indicou com os braços a porta do apartamento e logo colocou as mãos no bolso (para não demonstrar o tremor delas).
– Madame Bovary? Adorei! Isso é uma alusão ao livro de Gustave Flaubert, ou por que seu sobrenome é Bovary? Ela deu um sorriso malicioso. Ele riu, envergonhado. Moveu a mão do bolso ao cabelo, para bagunçá-lo. Ela mexeu nos babados de sua saia, olhando para baixo e com o sorriso no mesmo tom de malícia.
– Eu gostaria de te fazer a minha Madame Bovary. Mas por você ter o meu sobrenome, não pela personagem de Flaubert. Ele, pela primeira vez, falou com expressão e tom de seriedade para ela. Seus corações davam pulos, suas mãos pareciam ter se acostumado no dever de tremer. – Agora vá, entre. Já são meia-noite e meia. Hora do seu sono de beleza. Ele disse isso e deu um beijo assim como o dela.
Ela permanecia imóvel. Seu corpo parecia estar petrificado, apenas seu coração e suas mãos tinham movimento. Ele foi caminhando até o elevador, até que ela o chamou.
– Spencer! Calma, não vá. Tenho duas coisas para você! Ele se virou rapidamente, com um sorriso suave no rosto. Ela foi até ele.
Pegou o CD nas mãos e deu um beijo em sua capa branca de papel, deixando a marca de seus lábios com o batom rosa. Ergueu os pés, colocou a mão sobre seu ombro e lhe deu um terno beijo.
– Agora sim você e eu podemos ir dormir. Boa noite, meu anjo. Espero te encontrar amanhã. Sussurrou no ouvido dele, deu as costas e entrou no apartamento.
Ele ficou ali, com uma das mãos segurando o CD e a outra nos lábios. Parecia um sonho, parecia irreal; e ele estava sentindo uma sensação diferente. O coração doía de tanta felicidade. Ele queria pular, gritar, bater na porta de Louise e a pegar em seus braços e tê-la para sempre. Mas a única coisa que conseguiu fazer foi ficar daquele jeito ali, em frente ao elevador.
Ela entrou no apartamento, trancou a porta, encostou a cabeça na porta e deitou no chão. Conseguia sentir o pulsar do coração, e seus lábios pareciam implorar por mais, por mais um beijo, por mais Spencer. Ela foi até o sofá, pegou uma almofada, enfiou a cara nela e começou a gritar. Pulava no ritmo das batidas do seu coração. Sentia vontade de voar, de abrir a porta, correr até ele e pedi-lo em casamento. Ela parou, pensou e falou para si mesma:
– Casamento? Mas eu acabei de conhecê-lo! Ei coração, acalme-se! Mas ele é tudo de bom...
Ela se jogou no sofá, tirou sua blusa e ficou a cheirando – estava com o cheiro dele, por incrível que pareça. Uma de suas mãos segurava a blusa, a outra acariciava seus lábios.
Enquanto isso, ele conseguiu voltar ao normal. Apertou o botão do elevador e rapidamente o próprio chegou. Entrou e encostou-se a um dos cantos. Quando chegou em casa, trocou de roupa e foi deitar-se. Virava de um lado para o outro, mas não conseguia dormir; era muita felicidade. Teve uma idéia.
Ela havia pegado no sono, até que o telefone tocou. Levantou a cabeça e viu o relógio, marcava 01h15min da manhã. Resolveu atender.
– Alô? Disse, com voz de sono.
– Madame Bovary, sou eu. Consegui seu telefone na portaria do prédio. Desculpe ligar essa hora, mas eu queria muito que viesse até meu apartamento. Quero que fique comigo vendo as estrelas e quem sabe o nascer do sol. Por favor, venha! Não consigo dormir, e você é a pessoa qual eu daria tudo para ter agora ao meu lado. Ah, meu apartamento é o 37, no terceiro andar. Beijo, tchau.
Depois de aproximadamente dez minutos, a campainha de Spencer tocou. Quando abriu a porta, Louise estava ali, com seu pijama rosa de ursinhos e uma jarra grande com suco de laranja natural. Uma paisagem divina.
– Posso entrar? Ela perguntou. Ele assentiu com a cabeça, então, abraçaram-se.

C. C. 3 - Gonna Get Over U


Coração Caleidoscópio 3
Gonna Get Over U

Uma semana se passou, eles não se viram em nenhum dia desses sete. As coisas estavam muito corridas na faculdade e no emprego para eles. Porém, para não morrerem de saudade, trocavam telefonemas – era a única maneira de colocar os assuntos em dia sem atrapalhar os estudos ou qualquer outra coisa.
Quando chegou o sábado, ele ligou atrás dela, no apartamento. Ninguém atendeu. Ele foi até o próprio, ninguém foi abrir a porta. Foi procurar Seu João, perguntou se ele sabia onde Ís estava. Resposta negativa. Subiu até seu apartamento, cansado e desapontado. Abriu a porta e foi até a cozinha, pegar um copo de água.
– “Querido Monsieur Bovary, viajei para minha cidade para passar o fim de semana com meus pais. Domingo á tarde estarei de volta. Beijos, de sua, só sua, Madame Bovary”. Mark leu com voz afeminada. Estava com um bilhete na mão.
– O que é isso? Spencer foi caminhando até ele.
– É da sua, só sua, Madame Bovary. É a Ís né?
– Me dê isso, velho. Ele tentou pegar o papel, mas Mark colocou a mão para trás.
– Me diga se é da Ís ou não, aí te entrego.
– É da Ís sim. Agora me devolva! Ele devolveu. – Onde estão os outros dois cavalos?
– Saíram cedo, acho que foram para faculdade. Tinha aula hoje para eles. Mas me diz aí, garotão, está pegando a Ís? Mark deu dois tapinhas no ombro de Spencer. Mark era moreno, usava um moicano; era a sensação entre as garotas e amigo de infância de Spencer.
– Não, não estou pegando ela – ele fez expressão de nojo quando disse “pegando”. – Estamos... Apaixonados! É, isso mesmo. Estamos apaixonados.
– Algo me diz que vocês vão durar. Você sabe que sou sincero e que não falo coisas para te agradar, mas até que vocês dois combinam. E olha, não sei o que ela viu num magrelo ossudo igual você! Eu, o Carlos e o Felipe já tentamos inúmeras vezes pegar ela, e ô garota difícil!
– Talvez porque eu não me interesso apenas naquilo né, gatão da madrugada? Spencer devolveu os dois tapas e foi em direção ao DVD. Pegou o CD que Louise havia lhe dado e encaminhou-se até seu quarto, para passar as musicas no computador e colocá-las em seu MP4.
Passou o dia inteiro deitado em sua cama, que era ao lado da janela que tinha a vista de toda a cidade, ouvindo as músicas de Sara Bareilles. Ooh, how'm I gonna get over you?/ I'll be alright, just not tonight/ Someday,/ oh I wish you'd want me to stay/ I'll be alright, just not tonight,/ Someday” [Oh, como vou te esquecer?/ Eu ficarei bem, só não esta noite/ Algum dia,/ oh eu queria que você quisesse que eu ficasse/ Eu ficarei bem, só não esta noite,/ Algum dia], era o que ela cantava. O coração dele estava tão apertado de saudades; não sabia o que fazer para curar aquela aflição que sentia. Queria que o próximo minuto já fosse domingo á tarde. De tanto suspirar, pegou no sono. Dormiu como uma criança que acabou de chegar da rua, cansada de tanto brincar, se divertir; porém ele não estava cansado de se divertir; estava cansado de esperar.
Acordou com uns estrondos estranhos. Virou-se, lentamente, pois estava com medo do que iria ver, e acabou se assustando (realmente). Virou outra vez, para onde estava antes – de cara com a parede e com pequena parte da janela, que agora mostrava toda a cidade iluminada por suas luzes. Spencer amava essa visão; mas não a que ele tinha visto anteriormente. Era Mark com uma garota, em pleno “ato”. Na cama ao lado. E com as roupas todas na cama de Spencer. Nesse momento, ele ficou com nojo de ter nascido. “Ah Jesus Cristo! Eu não mereço isso. Agora, o que vou fazer? Fingir que estou dormindo e ter que ficar com trauma desses gemidos asquerosos, ou pego todos os sapatos da humanidade terrestre e jogo na cabeça deles, expulsando-os do meu quarto?” Ele pensou, ou melhor, pediu. Ou os dois. Pegou seu travesseiro e colocou na cabeça. Tentou ligar o MP4, mas a bateria havia acabado. Conformou-se que iria passar mais duas horas ali, sendo um participante oculto da orgia alheia.
Depois das duas horas mais trágicas e tenebrosas da vida dele, ele se sentou na cama, de fronte a janela. Ficou vendo os prédios, as casas, o centro. Reconheceu a danceteria aonde sempre ia. Reconheceu a faculdade. Reconheceu o centro da cidade, também. Passou horas e horas olhando aquela paisagem, tão bonita. Já estava amanhecendo, então, nas suas contas, os meninos tinham chegado ás quatro da balada. Ficou inconformado por ter que ver seu amigo e uma desconhecida atuando. Era realmente uma visão do inferno.
Levantou-se e foi até a cozinha. Os três garotos estavam jogados – Mark no chão, Felipe no sofá e Carlos na poltrona. Decidiu não mexer com nenhum deles. Abriu a despensa e pegou uma garrafa de Jack Daniels. Olhou-a, e a colocou de volta onde estava. Foi até a sacada, fechou a porta e sentou-se em uma das cadeiras.
Começou a lembrar de tudo que já tinha vivido em sua vida. Lembrou principalmente nos tempos de ensino fundamental e do ensino médio. Era considerado o cara mais engraçado da sala, mas como em todos os lugares, o “bobo da corte” não serve para se amar. Sempre sofreu por amar as garotas e elas falarem “Só te vejo como amigo, meu anjo!”. Com o tempo se acostumou com isso; começou a sair com Felipe, Carlos e Mark na juventude e sua vida amorosa melhorou, só um pouco. Nada de relacionamentos sérios, apenas descartáveis. E isso acontecia não porque ele queria, mas porque as garotas o viam como um atalho para os outros três maiorais. Spencer acabou se conformando e cada vez mais ficando desanimado para sua procura ao amor. Mal sabia que o amor não se procura, o amor acontece. Um dia você acorda com alguém batendo na porta do seu coração, e sem licença, esse alguém entra. E o amor monta sua vida ali, num coração desavisado.
Um pouco antes do almoço, decidiu procurar alguma loja de animais. De preferência as que estivessem abertas e que vendessem peixes. Logo que saiu do prédio, encontrou uma. Olhou os animais, procurou os peixes, e por sua sorte conseguiu comprar um. Voltou ao prédio e cuidou dele com imenso carinho. Seu nome era Swim.
Desceu até a lanchonete de Seu João, para comer algo como almoço.
– Boa tarde, meu garoto. O que é esse pote que você está trazendo nesse carrinho de rolimã? Reparou Seu João.
– Ah sim, boa tarde Seu João. É o Swin! Diga olá para o Seu João, Swin! Isso, bom garoto! Spencer agachou até o pote e passou a mão nas laterais do mesmo, como se estivesse fazendo carinho no peixe.
– Oh Senhor, cada loucura que esse garoto inventa! Quantas horas esse peixe vai viver? Duas?
– Não, não quero que a vida dele termine de forma trágica igual ao do outro peixe. Se ele viver até a tarde, está ótimo. Vou sentir como se tivesse cumprido uma missão! Mas mudando de assunto, o senhor me vê o de sempre, por favor? Mas agora quero o dobro, porque a vida de uma mãe não é fácil! Fez bico. Seu João riu, pegou dois pedaços de pizza e duas garrafas de água com gás.
– Está aí, nova mamãe do pedaço. Agora vá almoçar, antes que fique tarde demais. Já são quase duas horas da tarde sabia? Spencer balançou a cabeça, analisou o território e se sentou em uma mesa que tinha maionese. Aproveitou que tinha algumas mesas vazias e pegou outros recipientes com a maionese, tão amada por ele.
Estava terminando de comer o segundo pedaço quando, subitamente, sua visão foi tampada por uma mão. Uma voz grossa disse para que ele adivinhasse quem era. Ele respondeu que não fazia idéia. Então sentiu uma respiração em seu ouvido, e uma voz muito conhecida e apreciada por ele sussurrou em seu ouvido, sensualmente:
– Tem certeza que não tem idéia de quem é?
– Madame? Seu coração batia tão forte que parecia que em algum instante iria sair voando. A garota tirou sua mão dos olhos dele, e sentou-se na cadeira ao lado.
– Que sorte a minha te encontrar aqui! Não queria ir até seu apartamento, e talvez dar de cara com um de seus companheiros. Disse a última frase com expressão de quem não dava importância para os “companheiros” de Spencer.
– Acho que estão dormindo até agora. Eu iria te oferecer esse último pedaço da minha pizza, mas como me tornei uma mãe de família, não posso perder o alimento. Não posso morrer de fome e deixar meu filho sozinho por aí!
– Como assim? Louise entrou em desespero, interiormente.
– Diga olá para a Ís, Swin! Isso meu garoto, isso mesmo! Louise, esse é Swin, meu filho. Swin, essa é Louise, meu romance.
– Spencer Bovary, você queria me matar de susto? Porque quase conseguiu! Ela respirou fundo vezes seguidas.
– Não vai responder pro Swin? Ele vai criar antipatia com você, depois não reclame!
– Ah, céus! Oi meu amor! Seja bem vindo a nossa família! Ela passou as mãos nas laterais do pote.
– Agora sim! Ele está muito feliz. Mas não, eu não queria te matar de susto. E pode ter certeza que vai ser difícil, aliás, impossível você morrer com esse tipo de susto. Hoje nasceu um trauma na minha cabeça, um trauma daquilo.
– Por quê? Ela riu.
– Você ri, não é? Queria ver se fosse você. Resumindo, porque não gosto de lembrar desse momento repugnante da minha vida, eu estava no quarto, debaixo do lençol, e Mark levou uma garota para lá. E os dois estavam tão bêbados que não repararam a minha sublime presença. E você sabe o que fizeram, não é? Pois bem, eu tive que presenciar, em silêncio, toda aquela nojeira.
– Nossa, mas por que tanta repugnância com isso? Ís não conseguia segurar o riso.
– Porque eu acho sujo o sexo que eles fazem. É uma gritaria, palmadas, uma balhureira que realmente não sei como os vizinhos nunca foram reclamar. Por fim, os dois riram juntos.
– Bom, tenho que subir para levar as malas. Quer me ajudar?
– Claro! Vou deixar o Seu João de babá para o meu bebê enquanto isso. Ele foi até o balcão, pagou Seu João e fez o pedido. Seu João riu e aceitou a proposta descabida. Então foram os dois em direção ao estacionamento.
– Na verdade, minhas malas já estão no apartamento. Só te chamei para que a gente ficasse um pouco aqui no carro. Quero passar o resto da tarde e toda a noite ao seu lado. Ela disse, quando chegaram em seu Impala 1959 conversível e vermelho, e se aproximou dele; colocando seus braços envoltos aos seus ombros. Ele deu um sorriso puro e assentiu com a cabeça.
Sentaram no banco de traz. Ela deitou sobre ele, com a cabeça em seu peito. Não trocaram muitas palavras. Sentir a presença iluminada um do outro era o bastante para que tudo de ruim que existisse no mundo parecesse só uma pequena pedra no caminho. Era a única coisa que realmente desejavam, durante toda a semana; ficar juntos sem nenhum empecilho, sem a preocupação da duração de tempo ou se o amanhã já iria chegar. Apesar de que, quando estavam juntos, esqueciam da existência do amanhã – aliás, de qualquer coisa no mundo; porque o que importa era estar do lado de quem se ama, de quem se quer.

C. C. 2 - Uncharted


Coração Caleidoscópio 2
Uncharted

Estavam sentados na sacada do apartamento de Spencer. A lua estava cheia, as estrelas eram muitas.
– O céu está numa combinação tão perfeita... Muitas estrelas, uma lua linda e completa... Ela suspirou.
– E eu também estou numa combinação perfeita. Com meu pijama, suco de laranja natural e bem gelado, com a minha Madame Bovary... Suspirou em resposta.
– Sua Madame? Virou-se e ficou encarando-o. Havia uma pequena mesinha no meio dos dois, onde a jarra e os copos permaneciam. Ali se encontrava também a mão dele.
– Bom, nos meus sonhos você é minha. Mas acostume-se, eu sonho demais. Ele tinha os olhos fixados no céu. Ela esticou o braço e pegou na mão dele. Estava gelada e soada, assim como a dela.
– Não é só nos seus sonhos que você me tem, não só nos seus sonhos. Ela sussurrou; era quase impossível de se ouvir o que ela havia dito, mas quando se tratava de Louise, ele não deixava nada passar em branco.
– Eu acho que estou apaixonado. Por você. Ele olhou para ela, que ainda tinha os olhos fixos nele.
– Apesar de eu achar muito cedo para nos apaixonarmos, eu também estou. Garoto, como você consegue fazer isso comigo? Ela riu. Ele também. Viraram-se para frente e continuaram a dividir confidencias por pensamento com as estrelas.
De súbito, a porta se abriu. Olharam vagarosamente para trás, e quando viram, eram os companheiros de quarto de Spencer.
– Nossa, que horas são? Ele sussurrou para ela.
– São duas e cinco.
– Chegaram cedo hoje. Quer conhecê-los?
– Não... Deixa para a próxima. Vamos ficar aqui, quietinhos. Ás vezes, quem sabe, eles nem vão desconfiar onde estamos.
Continuaram do mesmo modo que estavam antes. Os colegas de Spencer eram três rapazes. Ao contrário dele, eram fortes, sarados e cheios de mulheres. Talvez fosse isso que o deixava triste, ver os amigos cheios de garotas apaixonadas se jogando aos pés deles e Spencer ter só a mãe para chamar de sua. Mas agora, as coisas tinham mudado.
Os três rapazes se direcionaram cada um para um canto da casa. Banheiro, cozinha, sala de estar. Nem ameaçavam entrar no quarto, pois sempre que chegavam da balada Spencer ia direto para cama dormir.
– Não devemos sair daqui até ouvirmos a porta se abrir novamente, ou seis gritos diferentes.
– Por quê? Ela olhou amedrontada para ele.
– Eles trouxeram garotas. Você sabe o que eles vão fazer, não é?
– Sei sim. Todo fim de semana é desse jeito?
– Esse apartamento vira um bordel de sexta a domingo.
– Hm... E você participa dessas orgias? Ela disse com a cara fechada e tom de ciúmes na voz.
– Não – ele riu. – De todo o tempo que estou aqui, nunca trouxe garota nenhuma para casa. Eu não posso nem chegar perto delas que vão embora! Isso muito me irrita. Mas tudo bem, Seu João me disse que era para eu ficar tranqüilo que a garota certa com certeza iria chegar.
– A garota certa está aqui na sua frente! Ela levantou e sentou-se no colo dele. Ele sentiu algo estranho, um incômodo, uma sensação de mal-estar; pois nenhuma garota fazia isso nele. Ela se enroscou no pescoço dele e colocou a cabeça em seu peito. Fechou os olhos e sussurrou no ouvido dele “Quando o Sr. Solar estiver por vir, me avise”. E dormiu. Ele assentiu a cabeça e começou a mexer no cabelo dela. A sensação ruim tinha ido embora. O coração dele estava acalentado nesse momento. Ele sentiu-se seguro, com ela em seus braços. Ficou ali, acariciando a cabeça dela e bebendo o resto de suco que tinha. Colocou o celular para despertar cinco e quarenta da manhã; fechou os olhos e adormeceu também.
O céu começou a clarear, e o sol deu seus primeiros sinais de existência. O celular deu dois bipes, e ele acordou.
– Madame, o Sr. Solar está te chamando. Posso deixá-lo entrar? Ele sussurrou no ouvido dela, com uma voz apaixonada e apaixonante. Ela tirou as mãos dos ombros dele e coçou os olhos.
– Deixe-o entrar. Preciso conversar com ele! Ela disse, fazendo pose de rainha.
– Por favor, Sr. Solar, entre! Os dois riram. – Mas o que você tem a falar com ele, Madame? Posso ter conhecimento, ou é só com ele?
– Sr. Solar, que prazer tê-lo aqui! Há quanto tempo não nos vemos hein? Bom, o assunto que tenho a tratar com a vossa senhoria é de extrema importância. Está vendo esse rapaz ao meu lado? Bom... Quero apresentá-lo como o dono do meu coração! Ela disse, enquanto o céu estava clareando. Ele virou-a de frente à ele, olhou no fundo de seus olhos, pegou em sua mão e disse:
– Eu sou o dono do seu coração? Ela assentiu com a cabeça, fazendo bico de criança. – Então... Quer ter um romance comigo? Ela olhou de lado para ele, desconfiada.
– Ter um romance é o que? Namoro sério, ficar sério...
– Ter um romance é se amar, poder passar momentos assim como nós estamos passando, poder pertencer um ao outro e não ter distinção de relacionamento. Se alguém perguntar o que temos, responder apenas, “a gente se ama!” e nada mais. Aceita, Madame Bovary?
Ela se levantou e encostou-se na sacada, de costas para ele. Um sorriso explodia em seu rosto e a mesma vontade que sentiu algumas horas antes tomava seu corpo e seu interior.
– Se não quiser, não tem problema. Não vou achar ruim, não vou te matar nem nada... Não consigo nem matar uma mísera barata! Não mataria quem eu gosto. Ele disse, tentando dar explicações, já que tinha dúvidas se ela aceitaria ou não.
Virou-se a frente dele e ficou analisando-o, sentado naquela cadeira de palha; estava tão bonito, tão sedutor... Ela levou suas mãos até a barra de sua blusa e foi levantando-a sem pressa. Quando a blusa não cobria mais o seu umbigo, ele levantou e puxou-a para baixo.
– Não faça isso! Você é louca? Ele realmente estava sério, parecia bravo até.
– Você não quer me ver nua da cintura para cima? Colocou as mãos em volta dos ombros dele e mudou a expressão de criança para a de mulher sedutora. Rapidamente ele tirou as mãos dela de seus ombros e balançou a cabeça negativamente.
– Eu pensei que era diferente. Diferente dessas garotas aí – ele continuava a balançar a cabeça. – Eu não sou igual esses garotos que estão ali dentro. Não gosto dessas coisas, isso é errado, isso é feio... Imoral! Ele parecia estar indignado.
– Calma Sr. Bovary! Eu só estava brincando! Eu nunca faria isso, eu também não sou igual a essas garotas que fazem de tudo logo que conhecem o garoto! Eu só queria saber como você agiria. Pois bem, passou no meu teste. Você foi escolhido para ser o meu romance, não há mais maneiras de ir embora ou negar. Ela pôs os braços envoltos dos ombros ossudos dele novamente. Nasceu um sorriso nos lábios dele. Um sorriso tão lindo, tão puro, aliviado. Ela não conseguiu resistir, já fazia horas e mais horas que não beijava aqueles lábios macios. Quando ergueu os pés, ele empurrou-a para baixo pelos ombros. Curvou-se até ficar a altura dela, passou a mão em seu rosto e a pôs na nuca de Louise. Roçou os lábios nos dela, e com calma pressionou sua boca na dela. Suspiraram, ao mesmo tempo.
– Bom dia Bovary... Quem é essa moça bonita? Mark (apelido de Marcos, um dos moradores daquele apartamento) apareceu na porta que levava até a sacada. Ele estava com o cabelo bagunçado, sem camisa e com o zíper da calça aberto. Quando Spencer olhou para trás, uma loira apareceu atrás de Mark; falando coisas descabidas e censuradas, mas com o intuito de que eles fossem logo para o quarto “dar continuação ao round”. – Só ia te avisar que o quarto vai ficar ocupado... Entrei lá e não te vi... Mas, oi Ís! Agora estou mais seguro, sei que vocês dois não vão usar o quarto. A Ís é travada assim como você! Ele riu e fez um aceno de despedida.
– Conhece o Mark? Spencer voltou seu olhar a Ís.
– Conheço... Bom, vamos dizer que ele passou uns tempos lá no meu apartamento, com uma das minhas amigas... Ela deu uma gargalhada. Ele riu também. – Agora tenho que ir embora...
– Não vá! Fique mais um pouco... Aliás, fique mais um muito! Não quero ficar sozinho nessa casa que está cheirando orgia, eca! Ele fez uma expressão de nojo, ela riu muito.
– Sinceramente, também não gostaria que o MEU romance ficasse aí com esses seis depravados. Mas eu vou ter que ir, tenho que preparar o café para as minhas lindas companheiras... Já que eu não saí, tenho que preparar o café para elas. A gente se encontra mais tarde, pode ser? Ele assentiu com a cabeça. Deram mais um leve beijo, abraçaram-se e ele a levou até a porta do elevador. Abraçaram-se novamente.
– Eu não consigo te deixar ir embora... Posso te acompanhar até seu apartamento?
– Claro! Adentraram no elevador. Quando chegaram ao andar de cima, na porta do apartamento nº. 42, abraçaram-se mais uma vez. Ela tentava se soltar, mas ele não deixava. – Como um magrelo como você consegue ter tanta força assim?
– É a força do amor, demoiselle! Mas tudo bem, já preenchi muito seu tempo hoje. Exatamente seis horas e trinta e quatro minutos. Adieu, mon amour! Ele disse e foi dançando valsa sozinho até entrar novamente no elevador.
Adieu, mon vie! Ela respondeu, rindo. Quando ele se foi, deram um suspiro de tristeza. Seus corações estavam cheios de saudade. Porem, um sentimento novo, uma palavra pequena, mas que proporciona sensações infinitas; estava começando a nascer ali, naqueles corações. A paixão estava amadurecendo; e quando ela termina esse processo, transforma-se em uma linda borboleta. Uma borboleta bonita, grande, e que se chama amor. O amor... Sim, o amor. Que muitas dores traz, mas que dessa dor se extrai aquelas sensações mágicas que só ele pode trazer. Ele, em conjunto com a pessoa que se ama.

C. C. 5 - King Of Anything


Coração Caleidoscópio 5
King Of Anything

O quarto estava com as janelas abertas, o sol estava nascendo. Toda sua grandiosa luz estava adentrando o quarto de Louise. Ela abriu os olhos, olhou para o relógio e eram seis horas da manhã mais alguns poucos minutos. Virou-se para o lado onde Spencer estava dormindo.
– Oh meu Deus, cadê o Spencer? Assustou-se quando não viu o namorado ao seu lado. Levantou da cama e foi até a cozinha. Chegou lá e não encontrou ninguém. Foi até o telefone e ligou para o apartamento onde ele morava. Mark atendeu, mas disse que Spencer não tinha dormido em casa. Ela entrou em desespero. Sentou-se no sofá, colocou a cabeça entre os joelhos e começou a pensar onde ele poderia estar.
Pensou, pensou, e pensou. Concluiu que o único lugar que ele poderia estar era na lanchonete do Seu João. Colocou um roupão e desceu até lá.
Quando chegou, ele estava em uma das mesas, com a cabeça deitada sobre os braços e olhando dentro de um pequeno aquário.
– O que está fazendo aí? Ela disse, enquanto se aproximava.
– Vim buscar o Swin, ué. Ele não desviou o olhar de dentro do aquário; chegava a não piscar, até.
– E por que não me avisou, ao menos? Ela começou a se estressar, sem motivo, mas começou.
– E por que eu te avisaria? Enviou um olhar frio para ela.
– Porque você estava na minha casa, na minha cama, e porque você é meu... alguma coisa.
Ele virou os olhos em reprovação. Um fogo percorreu todo o corpo de Louise, ela puxou uma cadeira e sentou-se de frente á ele.
– Há quanto tempo desceu até aqui? Apoiou os cotovelos na mesa e colocou a cabeça entre as mãos.
–Por que você quer saber o que eu faço, em quanto tempo eu faço? Que droga!
Ela percebeu que o aquário estava vazio e que as mãos dele estavam sujas de terra. Provável que Swin havia morrido e ele estava de luto instantâneo. Ao levantar, empurrou propositalmente o aquário de vidro ao chão. Virou as costas e foi embora.
O sangue de Spencer estava mais quente que a lava de um vulcão. Ele ficou todo vermelho, levantou e foi atrás dela. Conseguiu, heroicamente, entrar no mesmo elevador á tempo. Pegou firmemente no braço dela, empurrou-a na parede.
– Que tipo de ser vivo você pensa que é para jogar o aquário, aliás, o MEU aquário, no chão? Ele estava extremamente bravo, chegava a ser charmoso ver ele naquele estado; sendo um machão.
– Louise, a boa. Ela estava adorando ver ele daquela forma, e desde que ele tinha pregado os dedos em seu braço ela estava com um sorriso malicioso e a sobrancelha esquerda levantada. Uma expressão tentadora á ele, que tinha vontade de beijá-la ali mesmo e esquecer o que aconteceu; mas queria continuar com o teatrinho e apreciar aquela face iluminada e toda sua malícia.
Who made you king of anything? Ele cantarolou e a encurralou mais um pouco.
– Não interessa. Agora me solta, porque não te devo satisfações... Assim como você não me deve nada. Ela se soltou e ficou a frente da porta. Ele a puxou de volta, de costas mesmo, e sussurrou em seu ouvido:
– O Swin morreu e eu fui fazer o enterro dele. Está bom para você, Madame? O elevador chegou ao quarto andar. Ela se soltou dele novamente, e ao sair mandou um beijo. Enquanto caminhava até seu apartamento, as portas se fecharam.
Ele se sentiu um tolo, queria ir até ela e mostrar quem era o “homem” da relação. Mas ele sabia que não iria aguentar, que iria sucumbir ao olhar no fundo daqueles olhos tão castanhos e tão envolventes. Apertou o botão para descer até o terceiro andar, e quando chegou ao apartamento Mark estava jogado no tapete da sala.
– O que é isso, Mark? Ele entrou e jogou a chave no criado mudo que ficava ao lado do sofá. Sentou-se ali.
– Estou pensando na vida, cara. Acho que cansei de pegar a mulherada.
– Não me diga que virou a casaca...
– Jamais! Sai fora! Ele levantou-se e ficou sentado. – Eu acho que estou apaixonado. Spencer caiu na risada.
– Quem é a vítima?
– Uma das amigas da Louise. Aquela moreninha gostosa, do cabelo pintado nas pontas.
– Ahhh, sim. A Mônica?
– Essa mesmo.
– Quando saiu com ela?
– O fim de semana inteiro. Eu não sei como ela conseguiu me fazer não pensar em sexo durante três dias! Spencer gargalhou novamente.
– Nossa, então é sério mesmo. Ela é legal, eu apoio! Ele levantou-se e caminhou até a geladeira. Pegou um copo com água e bebeu.
– Ela é legal, ela é legal... Mark imitou Spencer com tom de deboche. Levantou e fez o mesmo que o amigo. – Como se eu não soubesse disso e de outras coisas sobre ela.
– E o que vai fazer?
– Vou pedir ela em namoro. Passei 48 horas no total ao lado dela, sei da vida dela do começo até agora, ela é a mulher da minha vida, cara! Spencer riu, deu dois tapas leves no ombro dele.
– Vou dormir, quando for onze horas me acorda?
– Onze horas... Não vou estar aqui ás onze.
– Por que, Senhor Compromisso?
– Estou saindo agora mesmo atrás da Mô.
– Vai ir desse jeito aí? Fedido, sem camisa, com a bermuda podre e o cabelo bagunçado?
– Já que ela é a mulher da minha vida, ela tem que se acostumar a me ver desse jeito!
– Se eu fosse você só tomava banho, trocava de roupa e fazia o seu moicano tradicional e ia para lá. Ele foi caminhando até seu quarto. – Ah! E não se esqueça de colocar alguma coisa listrada, ela ama listras.
– Eu já sei, seu lesado. Ele resmungou.
Spencer entrou no quarto, se jogou na cama e ficou pensando no que aconteceu. Queria sim ligar para Ís, mas pensava que quem deveria ir atrás era ela mesma. Aliás, quem começou foi ela! Ficou reprisando mentalmente centenas de vezes a cena que havia acontecido, até que pegou no sono.
Quando eram onze horas e cinco minutos, o telefone tocou. Ele cambaleou até a sala – parecia estar sozinho no apartamento, pois ninguém se prontificou a atender o telefone – e atendeu.
– Alô?
– Oi...
– Spencer?
– Oi...
– Você está bem?
– Oi...
– Você estava dormindo, não é?
– Oi?
– Estou indo aí.
– Não.
Era tarde demais, ela já tinha desligado o telefone. Ele abriu a porta de entrada e se jogou no tapete de centro da sala. Seu cérebro ainda não tinha acordado.
Em menos de cinco minutos ela já estava ali, deitando em cima dele.
– O que você quer, pomba? Ele disse, bravo.
Oxe! Eu venho até você, sendo que quem é o errado é você, e você vem com patadas?
– Eu sou o errado? Se liga menina! Você que quer dar uma de rainha-de-nada cuidando da minha vida e eu sou o errado?
– Cala a boca!
– Você que pediu! Ele a virou no chão e a beijou. Ninguém sabia, nem ele principalmente, o que estava acontecendo com ele. Ele a beijou fervorosamente, pressionando seu corpo no dela. Ela não sabia o que fazer, mas estava admirada com esse lado Spencer de ser.
Ele começou a beijar o pescoço dela, ela fez aquela expressão maliciosa igual a de quando estava no elevador. E repentinamente, ele parou e se levantou. Caminhou até a despensa e deu um gole no resto de whisky que tinha ali. Voltou-se até ela, estendeu a mão para levantá-la e a beijou novamente. Ela se sentia uma menina nos braços de um homem, sentia-se como se ele estivesse no comando e a ensinando como se deveria fazer isso; sentia-se como em um primeiro beijo. As mãos dele passavam em sua nuca e seus lábios dançavam com os dela. Quando ela saiu do transe e foi reagir, desceu a mão até a barra da blusa dele; colocou a mão dentro dela, mas ele parou de beijá-la e afastou-a de si.
– Tenho que ir trabalhar. Ele disse com uma expressão fria no rosto e as mãos na cintura.
– Está me mandando embora? Ela estranhou.
– Você quer ficar sozinha no meu apartamento?
– Não! Ela deu um sorriso infantil.
– Então eu estou praticamente te mandando embora. Eu tenho que tomar banho, me arrumar, almoçar e ir até o centro. Tudo isso em uma hora.
– Desculpa, Senhor Compromisso. Já estou indo.
Ela caminhou até ele, olhou em seus olhos e deu um sorriso puro. Ele não conseguiu manter a postura atrevida, abriu um sorriso que poderia ler-se “amor” no mesmo. Beijou a testa de Ís, e caminhou até a porta – que ainda estava aberta – com ela. Quando lá chegaram, ele pegou na mão dela, olhou em seus olhos e deu um leve beijo naqueles lábios tão macios. Ela envolveu os braços nos ombros dele, e se abraçaram. Ficaram um tempo desse jeito, envolvidos como dois pombos em seu ninho. Ela olhou em seu relógio e já era meio dia e quinze. Deu um beijo apaixonado nele, saiu e fechou a porta. Ele abriu um largo sorriso, trancou a porta e encostou a cabeça na mesma.
– Obrigado, meu Deus. Obrigado por ter colocado ela na minha vida. Ela é como uma canção da Bareilles... Suave, linda, envolvente e melodiosa. Ela é tudo para mim. Ele deu um longo suspiro, colocou a mão no peito. Suspirou novamente e caminhou até o banheiro.
Um sorriso estava estampado nos lábios dele. Não conseguia disfarçar, estava total e extremamente apaixonado. Estava amando ela, e cada dia, cada momento, cada pequena coisa que acontecia, esse sentimento aumentava. E era assim que eles queriam ficar, lado a lado, se amando e vivendo, um com o outro, um ao outro.

C. C. 4 - Hold My Heart


Coração Caleidoscópio 4
Hold My Heart

O céu estava tomando seu tom alaranjado de fim de tarde. Eles continuavam deitados, analisando as nuvens e suas formas, no banco de trás do conversível de Louise.
– Você descreve tão bem as nuvens, Ís. Ele falou, acariciando os cabelos dela.
– Acho que consigo descrever bem várias coisas. Eu sou muito observadora, e na minha vida eu tive muitos momentos como esse; de ficar a tarde inteira deitada no quintal de casa analisando as nuvens e o que elas poderiam significar. E você, é bom descritor?
– Para falar a verdade... Sou muito desligado com as coisas. Várias vezes meus pais chegaram a perguntar para a professora se eu tinha algum problema mental – riram. – Mas acho que consigo descrever você; pelo o que conheço até agora.
– Descreva-me se for capaz! Ela se virou para ele, olhou em seus olhos, deu uma piscadela e fez um bico charmoso. Os cantos de sua boca se curvaram para cima. Com uma vista dessa, que pedido não poderia ser atendido?
– Altura ideal. Pele morena clara, cabelo ondulado e castanho escuro. Rosto e corpo bem desenhado. Boca perfeita. O olhar então... Gosta de coisas vintage, pelo que notei em suas roupas e seus penteados. É estudiosa, familiar e bem amiga. Acho que só. Mas sou suspeito para falar de você, para mim você é perfeita.
Ela se virou para cima. Suspirou.
– Eu amei sua descrição. Mas me fez lembrar um ex-romance que eu tive. E não gosto de lembrar isso.
– Por que?
– Porque não foi uma coisa muito legal. Eu vivi momentos bons e inesquecíveis, mais foi meu primeiro “rolo sério” e não foi do jeito que eu imaginava; para ser sincera, não foi do jeito que eu queria.
– Por que?
– Ah... Eu era nova demais. Quer dizer, estava na idade meio que certa sabe? Mas as coisas foram rápidas demais e eu acabei desgostando da pessoa.
– Mas no que meu discurso pareceu com o seu ex-romance?
– Tudo, para falar a verdade. Você falou as coisas assim como ele falava; só que a única diferença é que ele caracterizava mais meu corpo do que meu interior. Eu sempre desconfiei que ele gostasse de mim mais por causa de meu corpo do que meu interior. E olha que eu não tenho um corpo daqueles.
– Olha, sendo parecido de novo com esse idiota, você tem um corpo bonito. Mas eu nunca dei valor para o corpo, porque o que vale é o interior. E eu vejo essas garotas “boazudas” que meus amigos ficam e vejo também que elas não valem nada. Talvez eu seja um pouco traumático com essas coisas meio que sexuais, não sei.
– Mas relaxa, eu aprendi a me controlar e não deixar que as coisas aconteçam rápidas demasiadamente. E eu sei que você não vai ser igual a ele. Ele falava que eu era perfeita, mas depois implicava comigo, sobre tudo. E eu não quero mais falar sobre isso.
Ela se sentiu vazia por um instante. Lembrar dessa experiência ruim não foi bom. Aquele medo de se envolver voltou. A mesma angústia, o mesmo nó na garganta havia voltado. Uma lágrima desceu de seu olho. Ela limpou-a e fungou.
– Eu quero dizer pra você, antes que o sol escureça, como possuir meu coração; porque eu não quero deixar você ir. Ela sussurrou, com a voz cheia de pesar e do reflexo de tudo o que ela sofreu pelo antigo relacionamento. Ele arrumou força, não sabia de onde, e virou-a de frente para ele.
– Eu quero aprender isso com o tempo. Quero descobrir você. E descobrir você sendo eu mesmo. Eu cansei de na minha vida eu ter que mudar o meu jeito em relacionamentos para agradar a garota, e ela nunca ficar satisfeita. E olha que eu tive um único relacionamento – ela riu, e algumas outras lágrimas desceram em seu rosto. – Não precisa chorar não, eu sempre fui o bobo da corte ou então o atalho para chegar nos “garanhões”. As garotas ficavam comigo para que meus amigos as notassem e depois fossem lá, ficar com as próprias. Por fim, me cansei disso e não fiquei com mais ninguém. Que coisa inútil. Mas olha, eu não sei o que falar nem fazer. Eu não tenho experiência em nada nessa vida, só de cuidar de peixes. Mas eles sempre viveram no máximo duas horas comigo. Tirando o Swin, que viveu duas horas e cinco minutos. Aliás, nem sei se ele ainda está vivo. Ah Cristo, o que estou falando! Era para tentar fazer você ficar bem, mas só estou falando coisas sem sentido.
Ela pousou a cabeça no ombro dele.
– Eu te amo. Sussurrou. Mais infelizes lágrimas brotaram em seu olho.
– Segundo os sintomas que os escritores dizem que se sente quando está amando, eu também te amo.
O céu estava azul escuro. Mas ainda não era noite, totalmente. As primeiras estrelas começaram a aparecer. A lua estava brilhante, como nunca. Ela começou a roçar os lábios no pescoço de Spencer. Ele fechou os olhos.
– Eu acho que isso é perigoso, não é? Ele sussurrou.
– Deixe-me fazer, apenas deixe-me fazer.
Sentia-se um pouco incomodado com o que estava sentindo. Em sua vida, conforme o tempo, aprendeu a viver sem garotas e os deleites que elas poderiam trazer. Durante muitos anos, se sentiu um assexuado, por ter se conformado em não amar ou desejar ninguém, já que elas nunca amaram ou desejaram ele com intuito verdadeiro. Era uma sensação boa, claro, mas antes de prazer trazia dúvidas e incômodo.
– Eu não me sinto muito bem com esse tipo de coisa.
– Realmente quer que eu pare? Ela levantou a cabeça e ficou olhando nos olhos dele.
– Eu não tenho costume disso, aprendi a não sentir vontade disso. Talvez eu tenha criado uma barreira entre eu, garotas, amor por garotas e prazer.
– Mas você quer que eu pare?
– Eu prefiro assim. Eu não gosto de ir rápido demais, se isso é ir rápido demais.
– Desculpe, Monsieur. E obrigada por me dar seus limites e me controlar. Foi desse jeito que eu acabei fazendo coisas que não devia.
– “Magina”, moça. Não queria fazer essa pergunta, mas que coisas?
– Nada demais, pode ter certeza. Repousou seus lábios nos dele. Ele colocou sua mão na nuca dela e puxou seu lábio inferior. Começaram a se beijar; um beijo diferente, mais intenso, porém não menos romântico. Fecharam os olhos e pela primeira vez – para os dois – sentiram uma sensação indescritível. Era como se um corpo estivesse a se unir com o outro, um sentimento mágico. Almejavam que isso durasse para sempre. Ele a virou para baixo, ficando assim, por cima. Roçou seus lábios nos dela, e beijaram-se outra vez. Se fechassem os olhos, sentiam-se flutuando, indo para junto das estrelas e da lua.
– Eu nunca me senti desse jeito, ela sussurrou.
– Espero que seja você a pessoa certa para mim.
– Eu sou você, agora. E quem sabe, para sempre?
– Desconheço os planos de Deus, mas que sejamos eternos enquanto duremos.
Ela se levantou e puxou a capota do carro.
– Quer passar a noite aqui?
– Prefiro no seu apartamento.
Ela riu. Levantaram-se, saíram do carro e foram até o apartamento de Ís. Ao chegarem lá, deram de cara com as outras três meninas que moravam com ela.
– Gente... Esse é o Spencer. Lembram dele?
– Boa noite Spencer! Elas disseram, em coro. Estavam sentadas no sofá, assistindo televisão.
– Boa noite! Ele levantou a mão como aceno, e automaticamente depois bagunçou seu cabelo.
– Vamos até o meu quarto. Pode ser? Ela sussurrou.
– Você tem um quarto separado? Que sorte! Eles riram. Caminharam até o primeiro quarto á direita. O quarto dela não era muito grande, mas era muito bonito e acolhedor. Tinha as paredes brancas, no chão um enorme e felpudo tapete rosa. Uma cama de casal, e atrás dela uma janela. Um guarda roupa na parede lateral direita, e um criado mudo ao lado da cama.
– Bem vindo ao mundo da Louise!
– Gostei desses pôsteres na sua parede... Ele caminhou até a parede lateral esquerda, onde tinham algumas fotos dos artistas preferidos de Louise, ou de filmes que ela admirava. – Gosto muito de Presley, também!
– Tudo bem... Deixe os pôsteres de lado porque o que importa é isso. Ela apontou para cama e tirou as sapatilhas do pé. Ele olhou com expressão de desconfiado para ela. Ela riu. – Calma, a gente só vai ficar aqui deitado. Eu dormi na sua casa fim de semana passado. Você dorme na minha hoje!
– Sorte sua que só trabalho á tarde! Ele tirou o chinelo e foi caminhando até a cama.
– Sorte nossa, porque de segunda eu trabalho apenas no período da tarde, também! Ela riu, maliciosamente. Ele se deitou do lado esquerdo da cama, enquanto ela engatinhou até o colo dele. Deitou a cabeça em cima de seu umbigo.
– Acho meio tentador você ficar aí... Eles riram. Ela mordeu a barriga dele. Ele deu uma bofetada na cabeça de Ís. Ela subiu a cabeça até ficar com os olhos na direção dos dele. Mordeu o lábio inferior de Spencer. Começaram a se beijar, outra vez.
Louise deitou a cabeça no peito dele. Abraçaram-se.
– Boa noite, Monsieur. Ela sussurrou no ouvido dele.
– Boa noite, Madame. Ele deu um beijo doce e apaixonado na bochecha dela. Fecharam os olhos e adormeceram.
Dormiram fácil, como dois anjos. Quão fácil é dormir nos braços de quem você se sente seguro, se sente acolhido. Quão fácil é dormir nos braços de quem se ama. Poder fechar os olhos sem ter medo do que poderá acontecer, sem ficar apreensivo ou inquieto. Amar é isso, sentir segurança em poder estar ou confiar todos os momentos de sua vida á alguém; é ser feliz e poder compartilhar a felicidade com uma pessoa na qual você sente um grande apreço. É isso, e com toda certeza do mundo, muito mais.

C. C. 8 - Basket Case


Coração Caleidoscópio 8
Basket Case

Pegue um papel, uma folha em branco. Amasse-a com toda a força que tiver, até não conseguir mais. Depois tente desamassá-la. Repare: ela nunca ficará – por mais que tente – igual antes. É o que acontece quando alguém que temos imenso apreço nos machuca, nos fala coisas que corta o coração tão profundamente que não há muito que fazer para concertar.
Assim estava Louise. Não conseguia mais olhar para Spen com os mesmos olhos, amá-lo com o mesmo fervor. Depois de tudo o que ele disse, estava difícil voltar ao normal, ou até mesmo fingir que nada havia acontecido.
Sábado á noite. Não iriam sair, tinham combinado de passar a noite na casa de Ís. Estavam sentados no sofá, um abraçado ao outro.
– Não sei o que está acontecendo, mas desde aquele dia em que brigamos as coisas não estão boas. Spencer sussurrou.
– Acho que você exagerou, e eu ainda não consegui me cicatrizar. Ela disse, com a cabeça baixa.
– Eu entendo. Ele sentiu uma pontada no peito. Eu não tenho muito que dizer Ís, sei mesmo que exagerei e que fui totalmente errado. Mas não sei o que fazer, dizer, para que voltemos a ser como era antes.
– Não precisa falar nem fazer nada, Bovary. Acho que preciso de um tempo para pensar se é o certo mesmo a gente ficar junto. Ela fechou os olhos, com medo da resposta.
Spencer ficou calado. Não conseguia antes e muito menos agora falar alguma coisa. Um tremor correu por todo o corpo dele. Queria – acima de tudo – vê-la feliz, mesmo que não ao seu lado. Respirou fundo.
– Eu não gostaria, sinceramente, de te ver longe de mim. Mas se for para sua felicidade, para o seu bem... Não vou te impedir. Ele falou, com o olhar fixado na parede.
– Me promete uma coisa? Ela levantou, sentou no colo dele e ficaram frente a frente.
– Depende! Ele olhou nos olhos dela. Os seus se encheram de lágrimas.
– Nada... Ela o abraçou. Fechou os olhos e viu que talvez não era o certo fazer isso.
– Me diz, eu prometo. Ele disse com o coração encharcado de dor, porque sabia que não era nada bom o que ela iria pedir.
– Não me deixe vai... Eu só estou um pouco estranha porque não conhecia esse seu lado, mas isso vai passar. Não resisto ao seu olhar Spencer, não consigo sem você. Ela sussurrou e o abraçou mais forte.
– Não vou te deixar enquanto você me deixar ficar junto de você. Ele disse. Levantou a cabeça dela, beijou-a de leve. Ela puxou seu lábio inferior.
Ele fechou os lábios e durante o beijo que se iniciava fez uma reflexão com seu interior. Lembrou de Mark com Mônica, e concluiu que talvez estivesse na hora dos dois também. Deitou-a no sofá, começou a beijar o seu pescoço.
– SPENCER! Ela gritou. Ele se assustou e levantou.
– O que foi?
– Não tente nada... Não quero isso agora. Aliás, não posso.
– Por que?
– Porque sim... Entende?
– Ah... Ele sorriu. Desculpa...
Ela riu. Ajoelhou, deitou-o no sofá e deitou em seu peito.
– Não sei por que isso passou na sua cabeça.
– Lembrei de Mark...
– Bobo! Já disse que não tenho pressa nenhuma.
Ela fechou os olhos.
– Eu...
– Você o que? Ele respondeu, mexendo nas mechas do cabelo dela. Ela engoliu seco, pensou um pouco.
– Eu não consigo mais.
Ele já entendeu o que ela queria dizer. Balançou a cabeça.
– Eu vou te deixar sozinha, assim você consegue pensar melhor, Ís.
– Você me prometeu que não iria me deixar! Ela deu um sorriso lascivo.
– Enquanto você me deixasse ficar junto de ti. Mas agora, eu sinto... Eu sinto que tenho que te deixar, Ís.
– Não... Ela o apertou, como se estivesse caindo e só ele a seguraria.
– É sério. Tenho que ir. Ele foi se levantando, deixando ela no sofá com expressão de quem não sabia o que estava acontecendo.
– Passe a noite aqui. Ela falou, com um sorriso melancólico.
– Não... Prefiro te deixar sozinha, aliás, só você com seus pensamentos.
Bovary voltou-se a ela, deu um beijo em sua testa. Ela segurou a cabeça dele.
– Ajoelhe-se, por favor. Ele obedeceu. Não me deixe aqui, Spen, por favor! Sei que não estou muito bem, mas não vou ficar melhor sem você! Ela não sabia mais se chorava, ou se mantinha a aparência de quem era forte.
Ele acariciou o rosto dela, balançou a cabeça negativamente.
– Minha Madame, eu te amo! Eu sou apenas um cesto vazio sem você. Uma lágrima escorregou dos olhos dele.
– E isso é o que a gente faz. Sussurrou em resposta e beijou os olhos dele. Pressionou a cabeça dele sobre seu peito, abraçando-o fortemente. Não conteve suas lágrimas.
Não afirmo que choravam. O amor que tinham apenas estava se expressando em forma de lágrimas. Ela não queria deixá-lo, mas não queria mantê-lo por perto sem sentir o que sentia antes. E ele apenas queria aceitar isso, mas não conseguia. Isso é o amor e suas tantas mil facetas.
The cold hard truth that you'll see right to… I'm just basket case without you [A fria dura verdade é que você irá ver direto que... Sou apenas um cesto vazio sem você]. Ela cantarolou, e ele a acompanhou na segunda parte do verso.
Ele levantou. Estendeu a mão para ela.
– Vem comigo.
Ela abriu um sorriso lindo, em meio a lágrimas, porém lindo. Levantou-a e seguiram caminho até o quarto de Louise.
Ele abriu a porta, sorrateiramente; fechou-a e passou a chave. Ela se manteve parada em frente a ele, como se estivesse esperando o próximo comando do que fazer. Ele pegou em sua mão novamente, levou-a em frente à cama.
Deitou-se primeiro, deu duas palmadas no lugar vazio ao seu lado. Ela sorriu novamente e se deitou ao lado dele. Abraçaram-se.
– Eu te amo. Ela sussurrou no pé do ouvido dele. Sem querer, ele se arrepiou inteiro.
Ele a virou. Ficou em cima dela. Olhou nos seus olhos e toda sua face – incluindo completamente seu olhar e seu sorriso – assinou um contrato com a expressão maliciosa.
– Você não tem noção de quanto eu te amo. Respondeu.
Mordeu o lábio inferior. Continuou:
– Você vai ser só minha essa noite. Começou a beijá-la.

C. C. 7 - The Light


Coração Caleidoscópio 7
The Light

A vida, conforme o tempo passa, se torna mais corrida e complicada. Quanto mais crescemos – em números de idade – mais precisamos de espaço para evoluir conforme o tempo pede.
Spencer estava conseguindo, finalmente, balancear trabalho, faculdade e namoro. Era uma terça-feira, tudo indicava que o expediente iria terminar mais cedo. O telefone tocou, ele atendeu.
– Loja SeuPet, boa tarde.
– Spen?
– Ele mesmo!
– É a Ís!
– Ah sim. Diga qual é o desejo, Emma.
– Só queria saber se vai sair no horário normal.
– Provável que não. Parece que vou sair umas 4 horas, por aí.
– Então tudo bem, quatro e meia vou ao seu apartamento ok?
– Ok, beijo.
– Tchau.
Como um relâmpago, ele desligou o telefone e nas três horas seguintes não paravam de chegar clientes. Ele não iria sair as 16hrs, mas sim no horário normal; porém não teve tempo de avisar Louise.

Ela estava se arrumando quando Mônica entrou em seu quarto.
– Louise, você vai ao apartamento do Bovary?
– Vou sim, já são 16hrs não é?
– Já sim, vou com você ok?
– Claro! Ela soltou seu melhor sorriso.
Mônica estava mexendo no guarda-roupa de Ís. Viu o vestido qual ela havia usado na noite de comemoração dos sete meses de namoro e pediu emprestado. Ís emprestou, naturalmente, e reforçou que era o vestido que Spencer mais gostava. Mô se trocou, e as duas finalmente puderam ir até o apartamento dos garotos.
Ao chegarem lá, Mark abriu a porta. Deu um beijo no rosto de Louise, e uma piscadela para Mônica.
– Mark, Spencer ainda não chegou?
– Ainda não. Mas se vira aí, pega alguma coisa na geladeira, sei lá...
– Pode deixar. Ela riu.
Mark e Mônica sentaram-se no sofá. Ficaram ali em meio a carícias e beijos apaixonados, enquanto Louise foi pegar algo na geladeira – como Mark havia mandado. Lá tinha restos de lanche da noite passada; ela pegou-o e junto dele saches de maionese e ketchup.
Quando foi abrir o sache de ketchup, ele estourou e manchou o vestido branco que ela estava.
– Ah, mas que droga! Hoje não esta sendo meu dia de sorte! Droga.
– O que houve aí Ís? Perguntou Mônica.
– O sache estúpido de ketchup estourou e manchou meu vestido! Vou descer até o nosso apart e trocar de roupa. Ela caminhou até a pequena mesa que ficava na entrada e pegou sua bolsa. Beijos e juízo!
Ao fechar a porta, Mark procurou os olhos verdes de Mônica.
– Ela se foi... Ele disse, com os olhos ficando molhados. Ela acariciou o rosto dele e deu um sorriso cristalino.
– Não precisa ser agora, pode ser quando você achar melhor. Eu não ligo! Ela disse, mantendo o sorriso branco nos lábios.
– Eu acho melhor agora. Ele passou o braço sobre a cabeça dela, deitou-a no sofá. Começaram a se beijar.

Spencer fechou a loja, finalmente. O relógio marcava 17hrs e 43min. Estava exausto. Durante todo o caminho de volta para casa ficou pensando em sua namorada, como ela estava e se havia ido mesmo a sua “casa”. Passou em uma pequena floricultura e comprou duas margaridas; era uma forma doce de pedir perdão pelo atraso.
Chegou ao apartamento, abriu a porta sorrateiramente. Respirou fundo, com as palavras ensaiadas na boca, abriu a porta por inteiro. Ao dar o primeiro passo e olhar diretamente ao sofá, paralisou-se.
Caro leitor: não sei se foi dito, mas Mônica tinha alguns pequenos traços parecidos com os de Louise. Se parassem de costas uma ao lado da outra seria um pouco difícil reconhecer quem era quem. E para o azar de alguém, Spencer não era mestre em diferenciar coisas, principalmente quando estava assustado.
As mãos se soltaram, as margaridas foram ao chão. No sofá viu uma garota deitada em cima de Mark, o vestido de Ís jogado em cima do abajur, os dois com apenas as roupas íntimas. Ele ficou quieto, pegou as flores do chão, abriu a porta e desceu pelas escadas até o quiosque do Seu João.
Enquanto isso, Louise estava com problemas em achar alguma outra roupa bonita para colocar – mesmo tendo centenas de vestes. Por fim, decidiu colocar um vestido que era parecido com o que Mônica estava usando. Subiu até o apartamento dos meninos, abriu a porta e viu a mesma cena que seu namorado.
– Gente... Desculpa atrapalhar o climão, mas sei que vocês conseguem voltar melhores do que antes. Bom, meu namoradinho ainda não chegou?
– Ainda não. Tchau. Mark disse, com voz de quem estava dormindo.
Ela saiu, fechou a porta. Olhou em seu relógio e já eram 18h36min. Pensou onde poderia encontrar o dono de seus encantos, e lembrou o lugar onde ele sempre ficava quando não estava em seu apartamento ou no dela.
Foi até o quiosque do Seu João, o encontrou sentado em uma mesa bem afastada de todas as outras. Estava deitado sobre os braços, e na mesa uma garrafa quase ao fim de whisky.
Caminhou até ele, puxou uma cadeira e sentou ao seu lado.
– O que o senhor esta fazendo aqui?
– Não quero conversa com você. Ele disse, atropelando as palavras.
– Você esta bêbado, isso é incomum. O que aconteceu?
– C******, já disse que não quero conversa com você!
– Dá para olha para minha cara, p****? Ela se estressou. Não ia deixar que ele maltratasse-a como outra vez.
Ele levantou a cabeça com dificuldade, virou-a em direção a Ís e a apoiou nos braços.
– Você é uma sem-vergonha! Dissimulada, oblíqua! Ele disse, com a raiva fervendo nos olhos e nas veias.
– Eu não vou deixar que me insulte, mas não vou mesmo. O que eu fiz para você, seu inútil?
– O que você fez? Ainda tem audácia de me perguntar! Garota ousada.
– Não tente me tirar do sério, que você vai conseguir e a coisa vai ficar feia para o seu lado!
– O que você estava fazendo lá no maior dos amassos com o Mark? Se eu não dou “conta do recado”, me desculpe. É que eu sou muito atrasado e inseguro para você. Se ele tem fogo mais ardente que o meu, me desculpe. Se você cansou de mim, pelo menos me avise! E tudo bem, eu aceito a desculpa de que “foi de repente e você não conseguiu se controlar”. Só espero que esteja preparada para enfiar essa aliança no meio do seu...
Gee! Eu não acredito que está desconfiando de mim! Lágrimas floresceram em seus olhos. O coração não tinha mais forças para bater mais rápido de raiva, tristeza ou seja lá o que for. Ela pegou o copo e quebrou na cabeça de Spencer. – Isso é para você aprender a discernir as coisas antes de tirar decisões precipitadas! E aliás, se prepare para enfiar não só a sua, mas a minha aliança também no seu c*. Idiota! Não me procure nunca mais!
Deu as costas e seguiu para dentro do prédio. Enquanto isso, Spencer estava atordoado com o que ela havia feito, só sentia a cabeça doer. Passou a mão nela e viu que saia sangue. Seu João foi até ele prestar socorro.
– Meu filho! O que aconteceu! Ele estava apavorado. Venha, vamos para dentro. Vou ver o que posso fazer por você.
Passou um braço dele em seus ombros e o levou – cambaleando de bêbado – para dentro do quiosque. Lá ele lavou a cabeça do garoto e viu que só havia um pequeno corte raso acima da testa e outro pouco maior na mesma. Cuidou dos cortes, fez um curativo e deu bastante água para ele.
– Está se sentindo melhor, meu filho?
– Sim... Acho que não estou mais tão bêbado. Tenho que subir e acertar as contas com essa cachorra! Ele levantou. Obrigado por tudo seu João, estou te devendo várias!
– Imagine meu filho! E tenha juízo, tome cuidado com suas atitudes.
Bovary levantou-se com um pouco de dificuldade, mas conseguiu se estabilizar. Subiu até seu apartamento, primeiramente. Fez o mesmo processo de abrir sorrateiramente a porta, e ficou só a espiar. Viu uma cena que antes o amedrontara, mas agora achava muito bonita: a primeira vez de Mônica e Mark. Deu um sorriso sem graça.
– O que eu fiz! Sussurrou. Conseguiu, depois de tanta confusão, discernir que ali quem estava era Mônica. Fechou a porta, sentou no chão. – O que eu fiz! Estraguei tudo. Começou a chorar.
Deitou no chão, não ligava para quem passasse por ali e visse um homenzarrão de 1,89 metros chorando como uma criança de cinco anos. O coração doía tanto que não conseguia nem pensar, seus olhos se apertavam com força e a respiração estava difícil. Arrumou forças do seu coração e levantou-se. Dirigiu-se até o apartamento de Louise. Pegou a cópia da chave que tinha em seu bolso e abriu a porta, devagar.
Ela não estava na sala, e nem na cozinha. Ele foi até os quartos, os banheiros, a lavanderia, e não a encontrara. Viu uma sombra na cortina, que vinha da sacada. Foi até lá.
– Batendo fora do meu peito, meu coração está se segurando em você. Daquele momento eu soube, daquele momento eu soube. Ele disse, abrindo a cortina. Você era o ar em minha respiração, enchendo meus pulmões encharcados de amor. Uma confusão tão bonita, entrelaçada e ultrapassada. Nada melhor que isso; e a tempestade pode vir. Você é exatamente como o sol... exatamente como o sol! Continuou, sem se mover.
And if you say be alright I'm gonna trust you, babe, I'm gonna look in your eyes. And if you say be alright I'll follow you into the light [E se você diz estar bem, eu vou confiar em você, babe, vou olhar em seus olhos. E se você diz estar bem, eu vou te seguir pela luz]. Louise cantarolou baixinho o resto da musica que Spencer havia recitado.
Ela estava com os braços apoiados no ferro da sacada, com os olhos vermelhos e o rosto suado. Ele foi até o lado dela, passou o braço sobre sua cintura e colocou sua mão no ferro também.
– Eu não sei viver sem você. Me perdoa? Ele sussurrou, e começou a chorar silenciosamente.
Ela levantou a cabeça, olhou para o céu e a abaixou novamente. Deu um soluço, se aproximou dele e pôs a cabeça sobre o seu ombro. Ele deitou a cabeça sobre a dela; enquanto ela entrelaçava os braços na cintura dele.
– Você me ama porque sou frágil enquanto eu pensava que era forte. Mas você me toca por um pequeno momento e toda essa minha frágil força se vai.
Procurou os olhos dele como uma andorinha procurando sua direção de refúgio.
– Perdoa? Ele disse e uma lágrima dolorosa extrapolou de seu olho.
Ela balançou a cabeça que sim, refugiou novamente sua cabeça nos ombros dele. E o sol estava se despedindo deles com um sorriso em toda sua face iluminada, com o céu alaranjado como fogo e a lua recepcionando o casal tão apaixonado.